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Professores Pardais da fazenda

Eles não têm à disposição laboratórios superequipados, nem publicaram artigos em revistas científicas, mas são uma espécie de professor Pardal, o personagem criado para os estúdios de Walt Disney como um misto de cientista e inventor. Associando criatividade, inquietação e disposição, produtores rurais se transformam em inventores para solucionar questões do dia a dia, que precisam de respostas práticas e baratas. São máquinas e ferramentas, que podem parecer algo pontual no meio rural, mas, de acordo com o Atlas do Espaço Rural Brasileiro, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), envolvem muito investimento no conhecimento. O processo de modernização da agropecuária passou de um momento de grande mecanização para a valorização do capital intelectual – que inclui uma série de habilidades, saber e técnicas. É aí que entram a bagagem e o jogo de cintura do produtor, capaz de transformar materiais esquecidos em instrumentos para melhorar a produtividade e a renda da propriedade.

Pneus e câmaras de ar usados, restos de madeira, correias descartadas e embalagens de chocolate em pó foram o ponto de partida para o agricultor Adelson Pereira de Oliveira, do Sítio Santos Reis do Tatu, em Curvelo, na Região Central do estado. A propriedade é cortada pelo Córrego do Tatu, que impunha a dificuldade de irrigação da lavoura de meio hectare, sem energia elétrica ou motor a diesel. O jeito, então, foi criar o próprio sistema, em que três rodas d’água acionam uma correia com cerca de 40 embalagens presas. Elas recolhem a água do córrego, despejam o conteúdo em um reservatório localizado a 13 metros de altura e retornam para fazer o mesmo processo. Do tanque – que tem capacidade para 4 litros – a água é distribuída por mangueiras nas plantações, que servem tanto para consumo da família quanto para comercialização.

O sistema criado por Adelson Oliveira consegue captar 300 litros de água por hora, um verdadeiro alívio para o produtor. “Passei 30 anos carregando latas de água nas costas. Precisava arrumar um jeito mais fácil de fazer isso. Sem o novo sistema, não produziria nem 10% do que consigo hoje e não poderia continuar aqui”, garante Adelson, que vende por ano, em média, 2,5 mil kg de abóbora, 1,8 mil kg de quiabo e 880 kg de tomate. E deu tão certo que ele já instalou três sistemas para vizinhos. O reconhecimento maior, porém, veio com o primeiro lugar conquistado no Prêmio Criatividade Rural 2012, realizado pela Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater-MG) em parceria com o Banco do Brasil.

Foi o extensionista do escritório da Emater em Cordisburgo Ronaldo Teixeira da Rocha quem viu o potencial do projeto criado por Adelson e fez a inscrição no prêmio. A ideia é ir além, aproveitando todo o potencial da invenção do produtor. “Com esse sistema, ele tem todas as condições de produzir para a merenda escolar das instituições de Curvelo, por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). Vamos batalhar isso este ano e melhorar a renda da família”, afirma Ronaldo, referindo-se à possibilidade de comercialização de até R$ 20 mil por ano, ante os cerca de R$ 5 mil que Adelson apura atualmente com a venda dos produtos para sacolões da cidade.

Para Lucas Scarascia, superintendente de abastecimento alimentar e comercialização da Secretaria de Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais (Seapa-MG), não há ninguém melhor que o próprio produtor rural para conhecer a realidade em que vive e aperfeiçoar alguns processos existentes ou mesmo criar outros. “Problemas locais são resolvidos com soluções locais. E essas soluções são mais fáceis de ser multiplicadas entre os demais agricultores do que ferramentas que não levam em conta as características regionais.” Ele destaca, ainda, o fato de as invenções serem desenhadas levando em consideração a realidade econômica do produtor. “O que chamamos de tecnologias alternativas ou sociais estão cada vez mais fortes, especialmente no semiárido mineiro”.

rsuser

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