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Exportação de Boi Vivo sem Tributo

Boas notícias não são abundantes em direito tributário. Quando acontecem, merecem um comentário e uma pequena análise sobre o mal que poderiam ter causado. Nesse sentido, vale comemorar a acertada decisão proferida pela Câmara de Comércio Exterior (Camex) em 11 de junho, que, por unanimidade, rejeitou a criação do estrambótico imposto de exportação de gado em pé.

A ideia, patrocinada por entidades representativas dos frigoríficos brasileiros, que atende a dois conglomerados gigantescos, a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec), da União Nacional da Indústria e Empresas da Carne (Uniec) e da Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo), pretendia impedir a exportação de gado vivo, alegando que não se deve exportar matéria-prima e sim produtos acabados. Uma ideia boa que foi totalmente distorcida, chegando ao absurdo de taxar as exportações. O argumento é que a exportação de gado em pé demonstrou uma significativa expansão nos últimos anos, o que poderia vir a limitar a oferta de carne no país. Entretanto, dados mostram que o rebanho e o consumo de carne e de couros no Brasil têm aumentado, apesar do crescimento das exportações de bovinos vivos.

Atualmente, o Brasil exporta gado em pé para a Venezuela e para alguns países de origem muçulmana. Os últimos importam o animal vivo por questões religiosas. Os muçulmanos só comem carne bovina quando o abate é realizado de determinada forma (abate halal). A Venezuela, por sua vez, que em 2011 foi o destino de 79,32% das exportações do boi vivo, importa o gado em pé porque, desde que assumiu o poder, o presidente Hugo Chávez já expropriou milhões de hectares de fazendas locais — e nem precisamos dizer que sob a gestão estatal as propriedades perderam muito da capacidade produtiva. Dessa forma, a importação de animais vivos serve como forma de manter em funcionamento os frigoríficos venezuelanos.

Com essas considerações, é possível afirmar que a instituição do imposto de exportação sobre o gado em pé, na verdade, acabaria com essa atividade no país (poderia ocorrer de o imposto ser instituído para incidir sobre um nada). Isso porque o valor do imposto — os frigoríficos sugeriram alíquota de 30% —, somado ao custo do transporte, muito provavelmente tornaria o produto brasileiro desinteressante para o mercado internacional. E o que é pior: a instituição do imposto não faria com que os países que atualmente importam o animal vivo passassem a importar a carne brasileira in natura, porque, como referido, os países importadores têm um interesse peculiar pelo boi vivo.

A impressão que a situação passa é a de que o objetivo dos frigoríficos é limitar o mercado dos pecuaristas, que ficariam reféns dos interesses dos primeiros. Em outros termos, os frigoríficos, com a medida, almejavam criar reserva de mercado — o que restringiria a capacidade do produtor rural de vender sua produção. Isso deixaria os produtores rurais como escravos dos interesses dos frigoríficos. O Brasil é um dos maiores criadores de gado do mundo e, atualmente, o maior exportador de carne bovina, com potencial de crescimento. Por isso, o país necessita de produtores rurais fortes no mercado, com capacidade de investir na melhoria genética dos animais e também nas pastagens, de forma a aumentar a qualidade e oferta do produto no mercado interno e mundial.

Ademais, o efeito de vetar exportações criando reserva de mercado desestimula a produção de carne. Não é novidade que em economia o melhor remédio é o mercado. A prova cabal dessa alegação são os nossos irmãos argentinos. Lá, entenderam por bem proibir a exportação de bovinos vivos, entre outras atrocidades. O resultado revelado pela própria Abiec, aquela que queria criar o famigerado imposto, não deixa dúvidas: em 1995, o Brasil tinha rebanho de 161.228.000 cabeças. Em 2010, passamos a ter 209.541.000 cabeças. Um crescimento de 30%, à base de muita exportação. Em contrapartida, os argentinos saíram de 52.649.000 para 48.950.000 cabeças, no mesmo período, um decréscimo de 7%, graças à barreira de mercado.

No comércio internacional, consagrou-se a ideia de que os países devem exportar produtos e serviços, e não tributos. E a Constituição Federal de 1988 chancelou essa ideia. Os dispositivos que imunizam produtos e serviços destinados ao exterior da incidência de impostos, bem como aquele que imuniza a receita decorrente de exportação da incidência de contribuições, revelam essa opção da Carta da República de desonerar de tributos os produtos e serviços destinados à exportação, de forma a garantir (ou, pelo menos, permitir) a competitividade deles no mercado internacional. Não custa transcrever os dispositivos da Constituição Federal que regem o assunto:

“Art. 155. Compete aos estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

(…) II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

Parágrafo 2º – O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

X – não incidirá:
a) sobre operações que destinem mercadorias para o exterior, nem sobre serviços prestados a destinatários no exterior, assegurada a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores (…)”

Atualmente, o Imposto de Exportação é plenamente justificado no caso do cigarro e das armas. Nesses exemplos, taxaram-se os produtos em um movimento de defesa do mercado, para se evitar que uma vez exportados retornassem ao nosso país de forma incorreta.

Diante desse conjunto de disposições constitucionais, a conclusão a que se chega é: imposto de exportação só deve ser instituído em situações excepcionais. E é por isso que a doutrina afirma que o imposto de exportação possui função extrafiscal, ou seja, essa espécie de imposto não serve (ao menos não exclusivamente) como forma de arrecadação, mas sim como instrumento de implementação de uma política pública, seja cambiária, econômica ou social.

rsuser

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