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Brachyspira spp. na produção suína

Diarreias causadas por infecções intestinais bacterianas são algumas das doenças mais importantes para a produção de suínos no mundo inteiro. Um dos agentes mais importantes causadores de diarreia é a bactéria do gênero Brachyspira (B.), correspondendo ao grupo de bactérias anteriormente classificadas no gênero Serpulina e incluindo várias espiroquetas intestinais comensais e patogênicas para diversas espécies animais incluindo o homem. Em suínos, duas espécies são consideradas patogênicas: Brachyspira hyodysenteriae, que causa uma diarreia mucohemorrágica severa conhecida como “Disenteria suína”; e Brachyspira pilosicoli, que causa uma diarreia mucoide de baixa gravidade, não hemorrágica, conhecida como “Colite espiroquetal suína”.

A infecção tem significativa importância econômica, pois provoca diarreia e perda de peso nos animais afetados e, em função disso, a necessidade do uso sistemático de medicação com antimicrobianos para seu controle. A piora na conversão alimentar tem sido calculada na ordem de 10 a 90% e a redução do ganho de peso diário em 13 a 62%. Estudos recentes estipulam perda anual de US$ 100 por porca acometida.

Casos de disenteria e colite têm sido descritos em todo o mundo. No Brasil, vários estudos demonstraram a relação entre infecção com a bactéria e perdas em rebanhos de crescimento e terminação. Já foram citados alguns surtos nos estados de Minas Gerais e São Paulo, assim como no Rio Grande do Sul (disenteria suína – Barcellos, 1978; Barcellos et al. 1995) e no Paraná (Warth, Kluppel & Dittrich, 1985). Esses dados sugerem a importância do agente em nosso meio e indicam a necessidade de que as infecções espiroquetais sejam incluídas no diagnóstico diferencial das diarreias prevalentes nas fases de recria e terminação.

Disenteria Suína

A disenteria suína é conhecida como diarreia sanguinolenta ou diarreia do sangue, causada por um espiroqueta anaeróbico ?-hemolítico chamado Brachyspira hyodysenteriae que causa lesões no ceco e cólon do suíno, provocando lesões fibrino-hemorrágicase, impedindo que ele faça a absorção de água. Esta diarreia leva a perda de peso, piora na conversão alimentar, vulnerabilidade a outras patogenias e até mortalidade.

Os animais acometidos apresentam diarreia muco-hemorrágica, muitas vezes com material necrótico e alimento mal digerido. Acomete predominantemente animais logo após a saída da creche, em fases de recria e terminação. Porém, pode acometer todo o rebanho levando a 90% de morbidade (média de 30-40%) e 30% de mortalidade (média de 5 a 15%), sendo que estas altas taxas são atingidas quando os animais sofrem com mau manejo e estresse permanente. A infecção ocorre por via fecal-oral, sendo que suínos e roedores portadores do agente têm grande importância na sua disseminação, visto que os suínos infectados podem carrear a B. hyodysenteriae por até 3 meses e camundongos infectados podem eliminar este agente nas fezes por mais de 180 dias, enquanto ratos eliminam por 2 dias.

Esta bactéria é sensível à secagem, calor e pH ácido, não sobrevivendo fora do hospedeiro quando exposto à luz solar e ao ar. A B. hyodysenteriae sobrevive nas fezes por sete dias a 25ºC, no solo por 10 dias a 10ºC, por 78 dias em solo com 10% de fezes e por até 112 dias em fezes puras, também a 10ºC. Em fezes disentéricas diluída em água foi constatada a sobrevivência do agente por 61 dias a 5ºC.

Um rebanho pode se contaminar pela introdução de animais portadores no plantel, veículos que transportam animais doentes ou portadores, visitantes, cães, ratos, moscas e mosquitos. Outra forma de ocorrência de surto dentro de uma granja é pela introdução de reprodutores com infecção subclínica (portadores assintomáticos) ou na fase de incubação da doença, principalmente quando não se realiza a quarentena destes animais. O período de incubação varia de 10 a 14 dias, podendo chegar entre 3 a 6 semanas. A Disenteria dos Suínos é disseminada pelos animais doentes por meio da água, principalmente em lâminas de água, e fômites, como botas e roupas sujas de fezes ou alimentos contaminados.

Os sinais clínicos geralmente são iniciados com alguns animais no lote com repetição dos casos e, aos poucos, com a disseminação de fezes contaminadas pelo ambiente. O número de infectados aumenta de forma progressiva com diferentes graus de severidade. O curso pode variar de um caso mais raro e superagudo (com morte em 24 horas) até uma diarreia crônica com retardo no crescimento. Nos casos agudos ocorre anorexia, sede intensa, flancos do abdômen retraídos, emagrecimento, diarreia e aumento da temperatura corporal, podendo atingir 40ºC. Após 48h, iniciam-se os sinais de diarreia com muco, sangue e partículas de ração nas fezes, com eliminação contínua e sem esforço. Posteriormente, os sinais evoluem para fezes de coloração marrom-chocolate com material muco-fibroso com odor fétido, levando os animais à rápida perda de condição corporal (olhos fundos, costelas salientes, pele áspera, cauda caída e região perianal suja de fezes). Leitões lactentes afetados apresentam diarreia catarral sem sangue e dificilmente ocorrem surtos em animais adultos ou fêmeas em gestação/lactação.

Animais mortos apresentam-se edemaciados, com pelos longos e tingidos por fezes, com sinais claros de desidratação. Durante a necropsia observa-se limitação da lesão no intestino grosso até a união íleo-cecal, com enterite muco-hemorrágica ou fibrino-hemorrágica. O conteúdo intestinal é fluido, com muco, sangue e até mesmo fibrino-necrótica. Linfonodos mesentéricos podem estar aumentados e edemaciados, além de conteúdo seroso abdominal.

O diagnóstico é feito a partir dos sinais clínicos, achados de necropsia, análise microscópica dos esfregaços de mucosa, histopatologia, imunohistoquimica, isolamento, identificação bioquímica ou PCR, técnica esta mais utilizada atualmente.

Os tratamentos comumente utilizados são, em geral, direcionados para combater a forma aguda da doença. Dessa forma, casos de recidivas são comuns e os gastos com medicamentos são normalmente altos, o que leva à necessidade de erradicação da doença pela eliminação da infecção nos suínos e no ambiente.

Para eliminar o agente dos suínos, é necessário utilizar drogas que combatem a doença, sendo mais eficientes as drogas à base de valnemulina e tiamulina. Antes de determinar um programa de medicação, recomenda-se isolar o agente e realizar um antibiograma com determinação da concentração inibitória mínima (MIC) para tornar o tratamento mais eficaz e assertivo. A droga de escolha deve ser administrada a todos os animais da granja na dose terapêutica por um período de 3 a 4 semanas. É importante retirar os animais jovens da granja com interrupção de partos por cerca de três semanas e venda de todos os leitões em creche, crescimento e terminação, além de matrizes jovens de até 10 meses de idade e povoar instalações de recria ou terminação com animais de apenas uma origem e da mesma idade.

Para eliminação do agente do ambiente deve-se utilizar sistema de manejo do tipo “todos dentro – todos fora” e elaborar um programa de limpeza e desinfecção das instalações e de seus arredores, com foco total na eliminação da matéria fecal. Deve-se evitar a utilização de lâminas de água, realizar limpeza diária das baias e fazer a limpeza semanal das baias e calhas de dejetos seguidas de lavagem e desinfecção. O ideal é iniciar o programa de erradicação nos períodos quentes e de seca, quando a resistência da bactéria no ambiente é menor. Além disso, deve-se realizar um intenso combate a roedores e insetos, assim como a outros possíveis vetores do agente.

Colite Espiroquetal

A Colite Espiroquetal caracteriza-se por colite moderada não fatal acompanhada de diarreia mucóide com característica de “cimento fresco”. Os suínos acometidos apresentam atraso no ganho de peso e desuniformidade no lote. A infecção tem maior frequência entre 60 e 85 dias de idade, uma a duas semanas após o reagrupamento dos animais por ocasião do deslocamento entre as instalações de creche e crescimento.

A B. pilosicoli é um espiroqueta gram negativa, anaeróbia, móvel (flagelada) que causa fraca hemólise no ágar sangue. O uso da ração sem medicamento tem sido considerado a variável mais importante para influenciar a prevalência da infecção. Além disso, são considerados fatores pré disponentes o uso de formulações que venham a favorecer o crescimento bacteriano no intestino grosso, tais como as rações ricas em polissacarídeos não amiláceos, rações peletizadas e/ou contendo cevada. Estes fatores favorecem a produção de muco no intestino e/ou não são digeridos no intestino delgado, favorecendo assim substrato para a microbiota. A infecção se dá por via fecal-oral e por portadores assintomáticos. A B. pilosicoli pode sobreviver no ambiente por até 119 dias no solo e 210 dias em solo com contaminação de 10% de fezes.

Após inoculação experimental, a B. pilosicoli pode ser detectada nas fezes entre 2 a 7 dias, sendo que o período de infecção pode se estender por até 20 dias. Ela se liga às células do intestino, causando a perda das microvilosidades levando aos quadros de diarreia por má absorção e abrindo portas para infecções secundárias. As fezes têm características de cimento fresco, sendo da cor acinzentada, às vezes grudenta e viscosa. Alguns animais não têm sinais de diarreia devido à grande capacidade do cólon e ceco de reabsorver a água, mas mesmo assim os animais sofrem com a perda de peso. Esta diarreia costuma ser auto limitante com cura entre 2 a 14 dias, mas pode retornar após a redução da imunidade do animal.

Durante a necropsia, as lesões se limitam ao ceco e cólon. Estes órgãos apresentam-se dilatados, com mucosa congestionada e aspecto brilhante pelo excesso de muco. A parede intestinal está edematosa e linfonodos mesentéricos e colônicos estão aumentados.

O tratamento é muito semelhante ao da disenteria suína com o uso de antimicrobianos específicos contra espiroquetas no início do quadro clínico. A salinomicina como promotor de crescimento pode suprimir os sintomas, mas não elimina a infecção. Outros antibióticos são mais efetivos e podem ser utilizados por qualquer via (injetável, ração ou água), no mesmo protocolo da disenteria suína, mas seu efeito depende da sensibilidade do microrganismo.

Estudos recentes mostram que as moléculas mais efetivas são as pleuromutilinas, tais como a tiamulina. Numa baia devem ser medicados todos os animais doentes e não apenas aqueles com diarreia, assim como os lotes das baias adjacentes. O uso de medicação preventiva deve ser cauteloso, visto que a mudança na ração medicada para não medicada entre as fases de creche e crescimento pode desenvolver casos da doença.

As formas de controle são pela melhoria do ambiente, instalações, manejo de despovoamento, higiene e medicação, assim como a redução do conteúdo energético e proteico da ração.

Todas as medidas de manejo capazes de reduzir a contaminação fecal-oral, como a limpeza diária das baias, podem diminuir a pressão infectante e auxiliar no controle de surtos da colite espiroquetal.

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