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Ritmo nascido em chão de terra vai parar nas escolas de samba do país

Área do sambódromo e Terreirão do Samba era chamada Pequena África. Foi lá que surgiu uma personagem fundamental para o samba: a tia Ciata.Em cada canto do Brasil onde havia escravos surgiu um gênero diferente de samba. Esses ritmos saíram da roça e foram parar nas escolas de samba do Rio de Janeiro.

Quem vê o Rio de Janeiro hoje nem imagina que há 200 anos era uma cidade bem rural, com escravos circulando para todo lado. A partir da metade do século XIX, houve uma grande migração de negros de várias partes do país para o estado que, na época, era a capital do Brasil. A maioria chegava da Bahia e acabou se concentrando nas proximidades do Morro da Conceição e na zona portuária da cidade. 

A região onde hoje estão o sambódromo e o Terreirão do Samba, no final do século XIX era conhecida como Pequena África. Foi lá que surgiu um personagem fundamental para a história do samba: a tia Ciata.

A baiana Hilária Batista de Almeida desembarcou no Rio de Janeiro em 1876, aos 22 anos de idade. Era uma mulher à frente de seu tempo, como conta Gracy Mary Moreira, bisneta de tia Ciata. “Ela iniciou primeiro com o zungu da baiana, depois com os doces. Ela botava os tabuleiros que eram os quitutes: manjar, quindim, cocada, e não deixava de vender o acarajé também”.

Tia Ciata vivia ao lado de onde hoje está o Terreirão do Samba, espaço usado para shows e eventos.  Na casa dela aconteciam muitas festas religiosas. “Era mãe de santo e dentro do candomblé ela fazia muitas festas ligadas a Oxum, porque ela era de Oxum, e Cosme e Damião também”.

As festas eram animadas com o batuque, o choro e o maxixe, ritmos populares da época. Pela casa de Ciata, passaram nomes importantes da música brasileira como Pixinguinha e Heitor dos Prazeres. Na casa de tia Ciata, em 1917, Donga compôs “Pelo Telefone”, o primeiro samba gravado no Brasil.

No final do século XIX, tradições africanas como o candomblé, a capoeira e o samba foram proibidas no Rio de Janeiro. História reproduzida pela TV Globo na novela Lado a Lado, exibida em 2012. Quem desrespeitava a proibição era preso e as festas dos negros eram alvos frequentes da polícia. “A polícia quando chegava, que escutava um toque e via que era um samba ou o batuque, então eles queriam, além de prender, quebrar as coisas, os instrumentos e tudo”.

Como tia Ciata, outras baianas se estabeleceram no Rio de Janeiro. Eram grandes mães das comunidades negras, seus guias religiosos, que acolhiam e alimentavam quem precisavam. Vem daí a tradição de toda escola de samba ter uma ala de baianas.

Com o tempo, o samba foi deixando a casa das baianas e ganhando as ruas. A Pedra do Sal foi batizada pelos negros que subiam por ela para transportar o sal que descarregavam dos navios atracados no porto. “Os negros se reuniam aqui, faziam seus batuques, suas danças folclóricas, muitas de origens rurais ainda, muito pouco urbanas, mas sobretudo é uma marca, porque é a área onde vão surgir os ranchos”, conta André Diniz, historiador.

Ranchos foram os primeiros blocos negros a sair às ruas pra celebrar o carnaval. Cada comunidade tinha o seu. “No início era na época de dezembro e coisa e tal, depois era proibido, eles juntaram onde era permitido. O permitido era o carnaval, então começaram a participar no carnaval”, explica Marquinhos de Oswaldo Cruz.

Marquinhos é compositor, cantor e um estudioso da história das escolas de samba cariocas. Ele conta que, os primeiros ranchos desfilavam pelas ruas com o chamado samba de quatro linhas. “Um samba com refrão e o resto era improvisado. Tinha os improvisadores que vinham improvisando”.

Ao mesmo tempo, na época do carnaval, clubes cariocas conhecidos como as grandes sociedades, frequentados só por brancos ricos, já organizavam cortejos que saíam em carros, com fantasias pomposas, acompanhados de bandas que tocavam marchinhas. Os sambistas negros não podiam participar e sofriam nas mãos da polícia.

Ao invés dos ternos largos da época, os sambistas gostavam de usar roupas mais justas. Então, quando o delegado desconfiava, mandava colocar uma maçã dentro as calças do sujeito. Se ela escorregasse até o chão, tava liberado, mas se a maça entalasse aí… “Ganhava uma bolacha e estava preso, porque era sambista”, conta Marquinhos.

Com o surgimento das rádios e da indústria fonográfica, entre as décadas de 1910 e 20, as canções começaram a ser gravadas e divulgadas. As proibições acabaram, o samba caiu no gosto da população e ganhou o mundo através de personagens como Carmem Miranda, que levava no próprio figurino os frutos das nossas roças.

No final da década de 30, as escolas de samba foram tomando a forma que têm hoje, indo para avenida no embalo do samba enredo, composto especialmente para o desfile e seguindo um tema. Em 2013, a Vila Isabel ganhou o carnaval contando na avenida a história da agricultura brasileira.

O carnaval, sem dúvida, é um espetáculo grandioso, mas é na fusão do samba de roda da Bahia com a roda de samba carioca que mora a poesia desse ritmo tão brasileiro.

No chamado partido alto, cantado nas rodas de samba, o improviso ainda persiste. A religiosidade se manifesta nos sambas de terreiro e na voz da baiana Mariene de Castro, a poesia do carioca Vinícius de Moraes parece se tornar ainda mais autêntica.

O samba é a matriz da nossa musicalidade.  Ao longo de cinco séculos, não só sobreviveu como cresceu. Ele se modernizou, ganhou novos acordes e ainda embala gente na roça e na cidade. Hoje samba é música de negro, de branco, de brasileiro. Nosso jeito de amenizar tristezas e celebrar a alegria.

 

Fonte: Globo Rural

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