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Fazenda muda manejo para produzir cacau de qualidade gourmet na BA

Um dos segredos é o uso de cochos redondos de fermentação.

As chamadas amêndoas gourmet são vendidas para 16 países. Se existe um alimento que beira à unanimidade é o chocolate. A imagem de um chocolate escorrendo enche a boca de sensações e o cérebro,  de vontades.

A receita parece simples: com massa de cacau, açúcar e manteiga de cacau, é possível fazer chocolate. No entanto, o neto de um dos pioneiros da fabricação de chocolate no Brasil,  e hoje dono de uma grande fábrica  no interior de São Paulo, Ernesto Neugebauer, revela um segredo: “É impossível a melhor fábrica de chocolate do mundo fazer um bom chocolate se não tem um bom cacau. Esse é o pré-requisito normal”.

Quando os colonizadores espanhóis chegaram à América, o cacau já era conhecido pelos índios, principalmente os astecas no México. O nome científico da planta é Theobroma Cacao, que significa manjar dos deuses.

Oficialmente, no Brasil, a exploração do cacau começou nos anos de 1.600, primeiro no Pará e depois foi para o sul da Bahia. Em Ilhéus se adaptou muito bem por causa do clima quente e úmido, e o solo rico.

O cacau já foi o produto de exportação mais importante da Bahia e enriqueceu muita gente. Sofreu um golpe na década de 1990 com a vassoura de bruxa, doença causada por um fungo que afetou muito a produção no sul da Bahia, mas o cacau está vivendo uma fase de ânimo outra vez.

Produtores estão acreditando em outro tipo de cultivo de cacau. Ninguém ficou livre da vassoura de bruxa, mas de olho no mercado de chocolates finos, eles garantem: cacau gourmet depende do manejo na fazenda.

A propriedade de Diego Badaró, um baiano que acompanhava a avó pelas plantações de cacau desde a infância. A família de Badaró chegou a abandonar as fazendas quando a vassoura de bruxa praticamente dizimou o cacau na Bahia. Há 12 anos, Diego resolveu retomar a atividade, só que mudou completamente o método de produção, para fazer um cacau orgânico e de qualidade gourmet.

Na retomada da atividade, Diego Badaró manteve o sistema cabruca, onde os pés de cacau são plantados no meio da Mata Atlântica, para aproveitar a sombra das árvores nativas. “Hoje, cientistas do mundo todo valorizam muito essas espécies mais antigas. Aqui na região as pessoas usam muito os híbridos, os cruzamentos, os clones. Eles produzem muito, têm uma maior tolerância no início da sua vida com a vassoura de bruxa, mas têm um ciclo de vida muito curto também. Então com 15, 20 anos eles já precisam ser trocados. As minhas árvores aqui têm em média, 80, 100 anos, mas uma delas tem 230 anos produzindo cacau”, conta.

Além da área antiga que abriga essas plantas mais velhas, outra parte da fazenda passou por grandes mudanças. “Essa era uma área de pastagem, 30 hectares divididos em três módulos, parte dela, dez hectares, era só capim e eu decidi plantar cacau. Deixei a natureza se recompor, então plantei algumas árvores nativas, e só em deixar o mato crescer, os passarinhos começaram a trazer as sementes, a depositar, fazer esse plantio natural e em três anos, hoje já estamos colhendo cacau”, conta.

No manejo orgânico, a fazenda utiliza biofertilizante e pó de rocha. As variedades usadas são as mais comuns: Pará e Parazinho, prova de que qualquer variedade pode virar gourmet.

Diego Badaró faz o próprio chocolate na fábrica que montou em Salvador. É para lá que também são mandados alguns dos grãos de outro produtor, o João Tavares.

João Tavares é neto de produtor de cacau. Tem 650 hectares de cacau na região de Uruçuca. É um dos mais respeitados produtores de cacau gourmet do Brasil e já ganhou duas vezes a principal premiação internacional de cacau no salão de chocolate em Paris.

João mostra alguns tipos de cacau que ele usa na fazenda. “Aqui na Fazenda Leolinda nós usamos mais de 200 variedades de cacau e essa é uma das qualidades do cacau daqui. A complexidade de aromas é fantástica”, afirma.

João insiste que o segredo do cacau gourmet está no beneficiamento do grão. E a primeira etapa acontece na colheita, no meio da Mata Atlântica: “Essa é a etapa um de todo o processo de beneficiamento do cacau gourmet.  Inicialmente a gente descarta os frutos que estão doentes, infectados com a vassoura de bruxa, podridão parda, perfurados por roedores ou pássaros, eles são tirados do lote que vai ser beneficiado e depois a gente faz  por maturação. Então, frutos verdes, verdoengos ou sobremaduros também são retirados do lote”, explica.

Já na etapa da quebra da casca, uma segunda seleção. Quem mostra o processo é o braço direito do João Tavares, Paulo César de Souza.

O fruto escuro demonstra que está com a vassoura de bruxa. “Esse cacau convencional vai para outra casa de fermentação, outra estufa, totalmente isolada do gourmet”, afirma.

Enquanto os burricos levam o cacau para casa de fermentação, João Tavares e Paulo César preparam uma surpresa para a equipe do Globo Rural: eles colocam as amêndoas recém colhidas em uma cama da bananeira. Em menos de dez minutos começa a escorrer um líquido denso, que é o mel de cacau.

Em uma taça improvisada com o próprio cacau, a equipe prova a ‘bebida’. “Nossa, que delicia que é isso. Muito especial”, diz a repórter. “Tem que vir numa fazenda de cacau pra provar isso aqui só tem numa fazenda de cacau”, diz João Tavares.

As amêndoas precisam ser levadas para a casa de fermentação logo após a colheita. Aliás, a fermentação é uma etapa que muitos produtores de cacau comum não fazem.

Na fazenda, as amêndoas permanecem em cochos durante sete dias, mas precisam ser reviradas a cada 48 horas.

Essa etapa é um dos segredos da produção da fazenda. Os cochos de fermentação são redondos e não quadrados ou retangulares, como de costume. Esse detalhe faz uma grande diferença na qualidade final do cacau gourmet.

A temperatura ultrapassa os 47 graus. Com os cochos redondos, a distribuição de calor é uniforme. Quando existem cantos, as amêndoas que ficam depositadas ali têm o processo de fermentação prejudicado. “A ideia é você dar a mesma condição a todos os grãos. Fazer a fermentação mais homogênea possível”, explica João.

Passados sete dias, a certeza de que essas amêndoas estão boas pra ir pra secagem vem através do corte. “Abre em banda. Tem que estar clarinha.  Nós cortamos 50. Tem que ter 40 boas. Oitenta por cento”, explica Domingos, responsável pela viração das amêndoas.

Subir significa ir para a estufa. Em vez de usar o método tradicional de secagem  na barcaça, João adaptou estufas de café para secar o cacau. Primeiro as amêndoas ficam em montes e são movimentadas para a parte úmida receber sol, secar e a partir do terceiro dia, elas são revolvidas de forma mais aberta. Além de proteger da chuva, a estufa precisa ter ventilação senão o cacau mofa. Aí é ensacar para fazer um último teste de qualidade.

“Aqui a gente vai fazer um corte nessas 50 amêndoas e vai verificar o percentual de fermentação desse lote e isso é um indicativo, além da qualidade, mas a depender do percentual de fermentação, vai ficar claro que não há  o amargor, que não há adstringência. Todas essas aqui são amêndoas perfeitamente fermentadas”, mostra João.

O produtor também explica como se certifica de que o cacau vai resultar em um chocolate bom. “Porque de um cacau bom, você pode fazer um chocolate bom ou um chocolate ruim. Mas de um cacau ruim certamente você vai ter um chocolate ruim”, afirma.

Trinta dias depois da colheita, o cacau gourmet chega à fabrica para virar chocolate. Na fábrica de Diego Badaró em Salvador, as amêndoas gourmet do João e as do próprio Diego são beneficiadas e vendidas para 16 países, incluindo a Bélgica, que tem a fama de produzir os melhores chocolates finos do mundo.

Para Diego, chocolate é como vinho. Cada produto tem seu terroir, sua característica de localidade. E agora é a vez de experimentar o sabor do chocolate fino tropical.

 

Fonte: Globo Rural

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